Nature

sábado, 25 de março de 2017

Pra quê?

  Nos colocam neste mundo sem a nossa permissão. Não pedimos, não escolhemos quando, nem onde, nem como. Chegamos nus e fracos, ensanguentados e cheios de frio, chorando por ter agora que aguentar as agonias do mundo fora do útero.Temos que nos arrastar, usar o que sabemos daquela estranheza que é para nós os nossos corpos. Enfim temos que nos acostumar a não mais chorar, a não mais nos arrastar, enfim, nosso choro é sufocado pela algúria da realidade, e então aprendemos a andar, a  nos comunicar, e depois a obedecer. 
   Aprendemos que existe um Deus, e que foi ele que nos mandou estar aqui, portanto devemos seguir tudo o que ele disse, não diretamente, é claro, mas através de sua filial no mundo terreno, filial esta que tem exclusividade para falar com este Deus. Porém, apesar desta exclusividade, este mesmo Deus está em todos os lugares ao mesmo tempo. Sofremos, mas ele pode tudo. Mentimos, mas ele sabe de tudo. Mas não se assustem, ele nos ama. Porém, se desobedecê-lo, sofrerá eternamente num mar de lamentações sem fim e sofrimentos ainda piores que os deste mundo. Mas não se esqueça, ele te ama. Saímos dele, para sofrer neste mundo e talvez voltar pra ele, se nos sairmos bem neste vestibular de 80 ou , no máximo, 100 anos. Mas não se esqueça, ele te ama. Ele não nos diz qual é sua verdadeira filial. Na verdade, existem várias possíveis filiais, mas só há uma verdadeira. Como num cassino, temos que apostar. Devemos apostar em apenas uma filial, para as muitas possíveis. Em caso de acerto, voltaremos para o mundo e paz e alegria que vivíamos antes de nascer. Caso percamos, iremos sofrer eternamente e até mais do que sofremos neste mundo. Mas não se esqueça, ele te ama.Ele existe? Não sabemos, ele não nos disse, preferiu que isto também fosse uma aposta nossa. Devemos apostar se ele existe ou não. Mas não se esqueça, ele te ama. Ele esmagará a cabeça dos inimigos, porém, todos são seus filhos amados e podem alcançar seu perdão. Ele criou tudo e todos, e conhece tudo o que criou e todos que criou. Mas uma de suas criaturas se voltou contra ele, mesmo ele vendo tudo, podendo tudo e sabendo de tudo. Dentro de tudo o que ele mesmo criou, ele tem agora um inimigo, que logo será destruído. Mas antes de ser destruído, este Deus espera um certo tempo para que seus filhos tão amados possam apostar nas fichas erradas e cair nas garras deste inimigo. Mas não se esqueça, ele te ama.
 Nos dizem como viver, o que vestir, do que gostar, o que comer e quando comer, por quem se apaixonar e por quem não se apaixonar, aonde ir e aonde não ir. E além disso, devemos crer a todo instante e com todas as nossas forças em uma verdade: somos livres.
 Somos constantemente vigiados, para que não atrapalhemos outros que como nós, não pediram para estar aqui, e também sofrem e choram constantemente, e passam por dores que antes, no útero materno, ou ainda antes ,não existiam.Caso desobedeçamos às regras que um desconhecido, que foi colocado no mundo contra a sua vontade um pouco antes de nós, escreveu, iremos para um útero de concreto, frio, e com celas de ferro. Lá ficamos por algum tempo, até voltarmos para o mundo. Este parto é um pouco mais alegre, pois o útero que permanecemos por este tempo não era lá grande coisa. Frágeis que somos, por vivermos num mundo tão cheio de contingências, temos a obrigação de procurar um útero de concreto, um pouco mais confortável, mas ainda sim sufocante, que podemos aos poucos confundir com um mundo, e chamá-lo de mundo, e pensá-lo como um mundo. Este pensamento logo some, ao vermos que precisamos sair do nosso útero pessoal todos os dias, para entrarmos em outro útero, e lá permanecermos 8 horas por dia, para sobrevivermos, dentro de nosso útero, num mundo onde chegamos sem ser avisados e sem ser consultados.
 Nos mandam não tirar a vida de ninguém e nem a nossa própria, pois, para eles, a vida é um presente. Estranho presente, presente de grego, presente trabalhoso e sofrido. Chamam de presente, enfim, algo que começa maravilhoso e nunca termina da mesma forma. Algo que é finito, que começa com dor, e termina da mesma forma, tendo muita dor envolvida em seu conteúdo. De fato, muito estranho este presente. 
   Como se já não bastasse a estranheza deste presente, somos atacados pelos instintos deste corpo que não pedimos para ter, e acabamos por nos ajuntar com uma outra pessoa, por uma desculpa qualquer que a tempos chamam de "amor", que não passa de uma atração corporal misturada com uma conveniência bastante atrativa. E enfim, traídos pelos nossos próprios corpos, obrigamos outra alma a assumir o peso do mundo e, sem pedir licença, entregamos a ela o fardo de existir. Mais um presente de grego.
  Trabalhamos para sustentar uma vida que não pedimos para ter, e para sustentar vidas que obrigamos a existir. Destruímos nossos corpos e mentes, que também não pedimos para ter, sofremos num mundo onde não pedimos para chegar e enfim morremos, saindo em fim de um mundo que nem mesmo pedimos para entrar. E nesse tempo todo, um alguém que pergunta "qual o sentido da vida?" é chamado de louco ou de alienado, e alguém que pensa em se suicidar é logo preenchido com remédios, para que se acostume a viver neste mundo, mesmo que forçado.E a este costume, a esta prática de ignorar as dores mais insuportáveis, a este aceitar até licenciosamente a vida que não pedimos para ter, dão um nome: felicidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário